Uma cidade deve estar projetada para funcionar perante situações normais e situações anómalas que se verifiquem com alguma frequência. Normalmente, realizam-se estudos técnicos aos períodos de retorno de 10, 100 e 1000 anos para esse efeito (Estudo para implantação do Mercado Abastecedor de Braga).
Seguramente que em Braga existem diversos pontos que não cumprem estes requisitos e quase todos os anos são afetados.
No passado dia 08-10-2014 a cidade ficou novamente paralisada, por força das diversas inundações, provocadas pela chuva intensa. Sendo que, na sua maioria, em locais recorrentes.
Algumas horas depois, foi noticiado na RUM, que teria sido a chuva mais intensa dos últimos 80 anos, o que tornaria aceitável a saturação e a ineficácia dos sistemas de drenagem.
No dia 10 de outubro, foram reveladas algumas das medições efetuadas, que demonstraram que se tratou de uma precipitação muito intensa, porém, fazendo apenas referência aos últimos 15 anos. Em notícia do Correio do Minho, Ilda Novo do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), afirmava o seguinte:
"Estes valores tão elevados da precipitação em 10 minutos, 30 minutos e numa hora, ocorridos no dia 8 de Outubro, contribuíram de forma decisiva para a ocorrência de inundações em Braga e na região."Já no Diário do Minho podia ler-se:
"Segundo dados divulgados pelo IPMA, entre as 20h50 e as 21h50, Braga registou 45,7mm de precipitação, 37,8 dos quais em apenas meia hora (das 21h20 às 21h50) e 14,7mm em dez minutos (das 21h40 às 21h50).
Entretanto surgiu a reação do presidente da CMB, Ricardo Rio. Que centrou, e bem, o discurso nos erros estruturais que se devem corrigir e não na excecionalidade da situação ocorrida, apesar de voltar a fazer referência aos valores recorde dos últimos 15 anos.
Os valores da precipitação são de fato anómalos, e caso se tivessem verificado na área urbana da cidade de Braga teriam certamente provocado o caos.
Contudo, será que foi isso que realmente aconteceu na cidade de Braga!?
Na verdade, aparentemente, o IPMA apresentou os dados verificados na Estação Meteorológica Automática (EMA) de Merelim, que se situa à cota de 60m, e onde toda a precipitação registada, não afeta minimamente a área mais urbanizada do município, e nomeadamente o caudal do Rio Este e os principais eixos inundados que frequentemente são notícia.
Dada a proximidade com a cidade, os dados não serão totalmente desfasados da realidade. Contudo, todos os estudos e afirmações que se façam sobre a cidade, com base apenas nos registos da EMA de Braga (Merelim), carecerão sempre do rigor devido.
Esta deveria ser uma questão a rever pela CMB junto do IPMA, pois seria de todo conveniente ter uma EMA no vale do Rio Este, numa localização e cota mais aproximada da cidade. Existindo para isso diversos locais com condições para a instalar.
Voltando ao dia 8 de outubro de 2014, apesar do IPMA não disponibilizar os valores de outras estações e postos udométricos situados na bacia de drenagem do Rio Este, neste dia existiam 3 estações em funcionamento, a Estação da Quinta da Capela, Estação de Gualtar e Estação da EB23 Trigal Santa Maria em Tadim, que disponibilizaram os dados.
Estes foram os valores das precipitações máximas, nas 4 estações:
Estação da Quinta da Capela
Diária: 77,7mm
Horária: 24,7mm
30 minutos: sem informação
10 minutos: sem informação
Estação de Gualtar
Dia: 60,7mm
Horária: 26,7mm (21:00 - 22:00)
30 minutos: 22,3mm (21:30 - 22:00)
10 minutos: 8,4mm (21:50 - 22:00)
Estação da EB23 Trigal Santa Maria
Diária: 79mm
Horária: 33,8mm (20:50 - 21:50)
30 minutos: 29,7mm (21:15 - 21:45)
10 minutos: 12,7mm (21:25 - 21:35)
Estação do IPMA em Braga, Merelim (bacia hidrográfica do Cávado):
Dia: ~89mm
Horária: 45,7mm (20:50 - 21:50)
30 minutos: 37,8mm (21:20 - 21:50)
10 minutos: 14,7mm (21:40 - 21:50)
Observando os valores das 3 estações, estes são idênticos e muito inferiores aos que ocorreram na EMA de Braga (Merelim). Portanto, crendo na qualidade dos dados apresentados pelas 3 estações e enquanto não forem conhecidos outros valores, somos levados a concluir que na maioria do perímetro urbano da cidade de Braga, podemos estar perante uma intempérie com um período de retorno de 3 a 5 anos. E não perante um acontecimento excecional, com um período de retorno superior a 15 anos.
Além disso, segundo o Estudo Análise de Fenómenos Extremos - Precipitações Intensas em Portugal Continental (EAFE - PIPC), com base na série udográfica analisada, para um período de retorno de 100 anos os valores previstos para Braga são:
-Dia: 178 a 205mm
-Horária: 51 a 57mm
-30 minutos: 42 a 48mm
-10 minutos: sem informação
E a Precipitação Máxima estimada é de:
-Dia: 343 a 388mm
-Horária: 175 a 191mm
Em suma, é evidente que existem pontos negros na cidade de Braga, que recorrentemente são alvo de ocorrências. Portanto, há que fazer um levantamento rigoroso do município e realizar as devidas intervenções. Tendo bem ciente que ainda não se verificou um acontecimento extremo do nível que alguns estudos (EAFE - PIPC) preveem para Braga. Podendo este ocorrer amanhã, depois de amanhã ou daqui a anos ou décadas.
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